top of page

BOLSONARO E A DERROTA DA IDEOLOGIA


Ao longo das duas últimas décadas, podemos observar com bastante clareza algumas mudanças na cultura brasileira. Num primeiro momento, isso pode parecer uma afirmação um tanto quanto óbvia, afinal, nenhuma cultura é estática. A definição de cultura em si, uma cultura viva, é algo que está sendo “cultivado”, e isso é um processo dinâmico. Porém, é interessante notar os rumos de nossa cultura. Os pilares que a sustentam em contraste com as ideias que a norteiam. O que percebemos claramente hoje, é fruto de uma narrativa progressista há muito tempo em curso em prol de uma agenda para “transformar a sociedade” num ideal de cultura. Não precisamos ir muito longe para notar suas raízes: de Antonio Gramsci a Jacques Lacan. De György Lukács a Michel Foucault. Do Marxismo Ocidental, Escola de Frankfurt, aos revolucionários da linguagem — tema central da filosofia contemporânea em muitos autores, como o próprio Foucault, Jacques Derrida, Gilles Deleuze etc.

A estratégia desses ideólogos são várias, dentre as quais uma nos chama atenção: a criação de uma nova realidade pela linguagem. Para isso, usando diversas técnicas, desde gramática simples à semiótica, esvazia-se todo o sentido de determinados termos e os ressignificam, para que, dotados de novo sentido e aplicação, sirvam não mais para delimitar determinado aspecto da realidade, mas para impor um. Uma demonstração prática desse método em nosso cotidiano é a apropriação da “luta pelos direitos” que a esquerda fez para si, como se todo o universo possível de tais direitos fosse delimitado por sua agenda: se você quer fazer o bem, deve apoiar o assistencialismo, se você é a favor de uma liberdade maior e as iniciativas devem ser privadas e não estatais, isso não é considerado “um bem”. Você está fora do espectro ideológico, logo, recebe outra qualidade, como “intolerante”. Perceba que, nesse exemplo prático, nem a palavra “bem”, ou “bem comum”, nem a palavra “intolerante” significam o que realmente significam como dados da realidade, mas significam o que querem que significam para uma determinada realidade. É a famosa distinção entre a “verdade” e o “fazer verdadeiro”, ou, um belo exemplo que encontramos desde Platão, em Fedro, sobre o discurso do verossímil. Exemplos como esse temos aos montes, como “ódio”, “machismo”, “homofobia”, e muitos outros. Tais termos são extremamente adaptáveis e não possuem um significado concreto. Para cada termo que citei acima daria para escrever um artigo separadamente para explicar seus fenômenos e metamorfoses.

Mas o que interessa de fato aqui, é o que essa narrativa proporcionou aos brasileiros ao longo dos anos. A forma como nós nos relacionamos com a realidade. Existe um contraste muito grande de percepções daqueles que nasceram nos anos cinquenta, por exemplo, e daqueles que nasceram em oitenta. E um contraste maior ainda dos jovens que fazem parte da geração dois mil.

Para não fugir do assunto deste artigo, nem deixá-lo muito extenso, vamos direto à resposta, que pode merecer uma análise mais apurada em outro momento. O que difere essas três gerações uma das outras é o tempo de maturação por que passaram cada uma das ideologias do séc. XX. Pode-se argumentar, com razão, que as ideologias do século passado não nasceram do nada, e que possuem raízes e diálogo com todo o período desde o nascimento da modernidade no séc. XVI/XVII. Um argumento muito justo que merece crédito, e por esse motivo mencionei a importância de uma análise isolada em um possível outro artigo. A questão que nos importa aqui é a grande “Era dos Desastres”, o séculos das Guerras Mundiais, as grandes Políticas de Fé, nas palavras de Michael Oakshot.

Conforme citado anteriormente, nossa era é marcada daquilo que chamamos de “engenharia social’, que, resumindo, não passa de tentativas de construções de uma nova sociedade, melhor, e livre de dogmas antigos. E tantas organizações, tanto mundiais como privadas, são guiadas e pautadas por essas ideias de reconstrução, chanceladas por intelectuais, como os supracitados, e grandes personalidades. Um exemplo concreto de agenda global baseado em tais ideais progressistas é a Organização das Nações Unidas (ONU).

Desvencilhar-se dessa narrativa hoje é praticamente um trabalho impossível. No começo do século ainda existia quem tivera nascido no século XIX, outros autores e ideias em diálogo. Com o passar dos anos isso foi diminuindo cada vez mais, até chegarmos nesse estado de hegemonia. Quem nasceu dos anos oitenta para frente, que não presenciou nenhuma guerra, nenhum grande regime, não viu a queda da União Soviética nem a Queda do Muro de Berlin (já tinham nascido, obviamente, mas eram meras crianças), cresceu refém de uma historiografia progressistas, distante dos fatos e reféns da ideologia.

Esta é a causa que aponto aqui, pela tamanha deficiência pela qual o brasileiro, principalmente o jovem, se relaciona com a realidade. Uma geração que está em pânico, que é movida pelas sensações, entre o êxtase e a histeria, dominada pelo relativismo moral e o niilismo existencial. Aqueles que acreditam que tudo são direitos, mas que pouco, ou nada, fizeram para conquistar qualquer coisa. Um pensamento que beira o anarquismo, ou, pelo menos, o libertarianismo moral, onde, no final das contas, a moral não existe. Ela pode ser construída de acordo com a sociedade presente. Não existem leis eternas, o que existe são nossas escolhas.

Infelizmente, aqueles que pensam assim, e das novas gerações praticamente são todos – salvo aqueles que foram criados com algum contraponto que os fizesse pender a uma outra cosmovisão, como o catolicismo, o cristianismo histórico etc. – acreditam pensar com a própria cabeça. Ora, não existe ideia mais ingênua. Não é isto nada mais, senão fruto de muitos anos de engenharia social. De filosofias que, fugindo ao seu propósito original, de ater-se às questões últimas da humanidade, cumpriram à risca a célebre frase de Karl Marx: “até hoje a filosofia se ocupou em tentar interpretar o mundo. Cabe a nós transformá-lo”.

A maior refutação àqueles que guiam suas vidas, suas almas, baseados nesses pilares, é justamente a própria realidade. A grande verdade é que, enxergar o mundo através de um prisma que a ideologia oferece, causa grandes vazios, tanto intelectuais quanto existenciais. Faltam palavras para delimitar a própria realidade em que se vive, onde, no fim das contas, tudo terá que ser causa do “ódio”, da “desigualdade”, da “luta de classe”, da “homofobia” etc. E, ora ou outra, aqueles que não cedem a esse tipo de pensamento dogmático, desejam, parafraseando Platão, sair da caverna. Tentam arriscar viver com responsabilidade. Pisar no chão descalço.

É nesse grande contraste de visões que nos encontramos no Brasil de hoje. O jovem universitário, ou o ex-estudante que ralou para passar em um concurso público, ou aquele funcionário do Estado que já está há bons anos exercendo sua função, e muitos outros que são fruto da mesma educação precária, não consegue entender, nessas eleições presidenciais, como um candidato como Jair Bolsonaro, que representa o ódio, a segregação, a ditatura da maioria, o fascismo, e tudo o que há de ruim nesse mundo, pode ter sido o mais votado da nação e sua eleição é iminente.

A resposta é muito simples. Existe um contraste abissal entre a retórica política, e, antes disso, a narrativa ideologia que impera as escolas e universidades desse país há décadas, e a realidade dos brasileiros. Existe uma diferença enorme entre viver nas favelas de São Paulo e ir ao show dos Racionais. De acordar todo dia às cinco da manhã e os estúdios da Rede Globo. A mente imprudente pode até ser levada por uma narrativa que promete redenção, mas a mente prudente para para analisar sua própria realidade. A dona Berenice da periferia não quer mais ideologia de gênero. Ela quer atendimento público de qualidade e poder sair de casa sem ser assaltada. O seu Joaquim do bairro não quer verba para ONGs de aborto, ele quer comprar uma casa própria para a família e não ser assaltado ou ter sua residência invadida. Em suma, toda essa chamada “libertação da humanidade” que os progressistas tentam vender a todo custo dia a dia, pautada por grandes organizações, cai por terra diante do dia a dia do cidadão. Como já é repetido por aí, “o povo é conservador”.

Isso é o que chamamos de choque de realidade, para aqueles que saíram da universidade cheio de vontade de mudar o mundo. O problema é que, na história, todos que foram guiados por tal ímpeto, só causaram catástrofes colossais. No Brasil de hoje, ainda temos um raio de sanidade. Vemos que gostar de Gilberto Gil e Chico Buarque é gosto musical popular, não sinal de intelectualidade. A eleição de Bolsonaro nos anima, não porque ele, o candidato em si, é cheio de virtudes e um candidato dos sonhos, mas porque representa pela primeira vez depois de muitas décadas, uma quebra dessa hegemonia que nos arrastou até aqui. Uma possibilidade de crescimento como nação, tanto no aspecto econômico, quanto no espírito.

Bolsonaro eleito é motivo de comemoração. Não porque nos tornaremos, da noite para o dia, um país de primeiro mundo. Mas porque sua vitória representa a derrota de um inimigo muito grande. A famosa Hidra de Lerna: a Ideologia.


bottom of page